Direitos: Pessoas com Deficiências e outros

Direito de indenização a filhos separados de pais com hanseníase pelo Estado brasileiro é imprescritível, defende PGR

Augusto Aras afirma que política de segregação adotada pelo país por quase 60 anos configura grave violação de direitos humanos

É imprescritível o direito indenizatório de filhos que foram separados de pais com hanseníase em razão da política de segregação compulsória adotada pelo Estado brasileiro entre as décadas de 1920 e 1980. Esse é o entendimento defendido pelo Ministério Público Federal (MPF) em parecer na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.060/DF. Proposta pelo Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), a ação defende que a prescrição de cinco anos prevista no art. 1º do Decreto 20.910/1932 para propor ações contra a Fazenda Pública não incide sobre o direito à reparação civil assegurado aos atingidos pela política pública.

Na manifestação, enviada ao STF nesta terça-feira (4), o procurador-geral da República, Augusto Aras, explica que a Morhan não tem legitimidade para propor esse tipo de ação, por não ser considerada entidade de classe. No entanto, diante da relevância da questão trazida ao debate e do quadro de grave violação da dignidade da pessoa humana promovido pela política de isolamento e internação compulsórios da pessoa com hanseníase, o PGR requer o ingresso no polo ativo da ação, com o prosseguimento dos atos processuais e julgamento do mérito pela Suprema Corte.

Aras endossa os argumentos apresentados pelo Movimento na ADPF e sustenta que, durante quase seis décadas, por imposição do Estado brasileiro, as pessoas com hanseníase foram alijadas da vida comunitária, impedidas de prover o próprio sustento, separadas das famílias e submetidas a intenso sofrimento físico e psíquico. Para o PGR, a política segregacionista também gerou impacto nos filhos das pessoas diagnosticadas com a doença, que eram imediatamente destinados à adoção, realocados com parentes ou encaminhados a educandários. “O estigma da doença acabava por atingir núcleos familiares e seguimentos sociais por gerações, acompanhado dos efeitos deletérios da discriminação e da exclusão”, aponta trecho do parecer.

Debate – O procurador-geral aponta diversas iniciativas que buscam a reparação do sofrimento imposto aos filhos sadios que foram apartados de genitores diagnosticados com hanseníase, como debates legislativos, leis estaduais, ações coletivas e até mesmo manifestação da Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo Aras, porém, essas medidas não apagam a gravidade da histórica violação de direitos humanos observada no contexto da política pública segregacionista de controle e combate à hanseníase.

De acordo com a manifestação, os filhos de hansenianos atingidos pela política de isolamento forçado foram submetidos a condições sub-humanas e à grave violação do valor fundamental da dignidade humana. Nesse contexto, a aplicação do prazo quinquenal do Decreto 20.910/1932 às pretensões de reparação pelos danos sofridos mostra-se incompatível com a Constituição Federal e com as normas internacionais de direitos humanos. Aras destaca, especialmente, o direito à integridade pessoal – física, psíquica e moral -, previsto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

“A grave violação da dignidade das pessoas e dos direitos humanos dos filhos separados dos genitores com hanseníase lança luzes à necessidade do reconhecimento da imprescritibilidade como mecanismo que viabiliza a busca concreta por reconhecimento da responsabilidade estatal pela violência perpetrada, acompanhada de sofrimento e estigma”, afirma Aras.

O PGR enfatiza, ainda, que cabe às instâncias ordinárias apreciar eventual direito à indenização no caso concreto. Ou seja, independentemente do reconhecimento da imprescritibilidade da pretensão, os filhos separados de seus pais ou quem os represente precisam acionar a Justiça individualmente para requerer seus direitos, demonstrando, caso a caso, o interesse processual de agir.

Foto: Leonardo Prado/Comunicação/MPF

Fonte: Ministério Público Federal