Durante a minha infância, com apenas seis anos de idade, lembro de três grandes sonhos: ter um telefone fixo, uma geladeira e um guarda-chuva das Tartarugas Ninja. Vinda de uma família humilde de Uberlândia, no interior de Minas Gerais, e filha de uma mulher negra e diarista, demorei um tempo para conquistar esses três presentes.
Em um dia ensolarado, quando finalmente ganhei meu tão esperado guarda-chuva, foi quando presenciei o primeiro episódio de racismo que marcou minha vida. Enquanto estávamos em uma lanchonete comemorando, uma moça chegou e fez um comentário, dizendo que não ficaria ali porque “não gostava de gente preta”.
Gostaria muito de falar que foi uma situação triste e isolada de discriminação, que aconteceu há cerca de 30 anos e que ficou no passado, mas não foi assim. Na minha adolescência, por volta dos 15 anos, não podia mais viver com a angústia de esconder quem eu era e decidi assumir minha homossexualidade – o que resultou em mais encontros com o preconceito.
O mais marcante deles foi quando, no início de minha carreira, tive uma experiência desanimadora em uma empresa na qual fiquei apenas duas semanas. Lá, não me senti bem-vinda e fui alvo de comentários e “piadinhas” de mau gosto. Meu supervisor chegou até mesmo a me chamar para perguntar se eu gostava de meninos ou meninas, dizendo que colegas de trabalho estavam em dúvida.
Essa situação foi extremamente desconfortável e demonstrou a falta de respeito e preparo por parte de um líder que deveria ser um exemplo para a equipe. Larguei a função profundamente triste e desamparada, mas encontrei um amigo vestindo o uniforme de uma multinacional que me incentivou a buscar uma oportunidade lá, garantindo que a experiência seria outra.
Senti a diferença positiva desde o início, já na entrevista de emprego. A recrutadora me tratou com igualdade e chamou para me sentar mais à frente, em um gesto simples, mas significativo de inclusão. Nesse momento, percebi que pequenos atos de valorização e respeito podem fazer toda a diferença, uma vez que o preconceito é uma realidade cotidiana para muitas pessoas como eu.
Dez anos depois, sigo nesta empresa, onde encontrei um ambiente acolhedor e uma cultura corporativa verdadeiramente engajada e preocupada em promover diversidade, equidade e inclusão. Aqui, sinto-me motivada e segura para dar o meu melhor todos os dias, pois desde o início fui reconhecida como uma pessoa forte e capaz, estabelecendo relações de confiança com meus gestores e colegas de profissão, o que faz toda a diferença. Com esse apoio, sei que posso, simplesmente, ser quem realmente sou.
Acredito que seja dever de todos – tanto dos indivíduos quanto das organizações – promover mudanças positivas para criar um mundo mais justo e acolhedor para qualquer pessoa, independentemente de sua origem étnica, orientação sexual, gênero, geração, habilidades, vivências, natureza física, mental, intelectual, sensorial etc. Como eu sei bem, isso tem um poder imenso para transformar vidas.
*Arianne Silva, operadora de produção da Bayer*