Às vezes tentamos nos livrar de nossos monstros. Claro que em criança também os tive, porém eram sacis, algumas assombrações, caiporas, claro que já tive medo de lobisomem e até de mula sem cabeça, porque eram contações que memorizei muito bem. Se perguntarem se acreditei em papai Noel, posso confessar que sim. Entendo que eu tenha sido injusto com meus pais, sacrificavam para compra dos presentes de natal e eu ovacionando certo velhinho de barba branca que nunca entrou na minha casa, usando a chaminé. Tem uma prerrogativa, quando criança não existia um na minha casa. Depois de adulto o único que construí foi para um fogão de lenha que instalei na minha casa. Agora, já na minha vida velha, adulto, totalmente inexperiente, apesar de tantos anos vividos, os bichos que me atormentam são outros. Posso claramente afirmar que a própria evolução é um deles, porque a máquina separa o ser humano dele mesmo. Hoje não dependemos mais de pessoa, porém de um bom celular. Será que as pessoas deixaram de beijar, fazer amor, amar? Será que os bebês de hoje não são uma geração que nasceu do espermatozoide de um Smartphone? Apavoro-me com a política, a força da mídia televisiva, sofro com a não combatividade à desonestidade. Padeço incrédulo quando das participações em festinhas, meninos não convidam meninas pra dançar, bem juntinho, agarradinho, cada grupo no seu canto disputando rebolados. O problema é que isso tem alcançado pessoas de certa idade. Quantas vezes um bebe chorando e a mãe por ventura socorre uma mensagem do celular antes de atender as ânsias dos recém-nascidos e pequeninos que reivindicam atenção? Eu já cansei, estou percebendo que o sistema social está em risco. E a disputa por riquezas? Sempre foi uma infamidade, roubos, assaltos, apropriações tanto por parte do cidadão comum, quanto de políticos e dos chamados famosos, aqueles que cantam bonito ou não, mas que se juntam a talentos. Claro que música hoje tem sido um negócio chato. Os clássicos se foram e muitos novos não demonstram conteúdo. Uma coisa é certa, hoje é pior pra se viver. Eu não queria ter nascido, conforme cantou Raul Seixas, “há 10 mil anos atrás”, pois teria morrido justamente essas milhares de vezes. Amanhã eu pretendo estar numa festa, quero utilizar o mínimo possível meu equipamento celular, de repente somente pra umas poucos fotos, pois preciso aproveitar ao máximo para ver e esta com humanos. Quero ver essas minhas pessoas sem câmaras, ouvi-las sem áudio, pra tentar matar um pouquinho da saudade do tempo que fui gente de verdade, quando eu fui mais importante que uma tela de TV, claro e do celular. Um dia quero convidar alguém pra ver a lua, sentarmos, sentir a pessoa ao meu lado e redescobrir que ainda sou um ser quase humano, que deixei a mecanização do sistema. Sabe por que eu não mudo pra roça? Porque lá está assim, igual na cidade. Também não vou me isolar numa longínqua montanha e viver como ermitão, porque de repente alguém irá achar interessante e fazer do meu canto um local de turismo. Eu estou de olho numa oportunidade. Quem sabe?
Texto de José Airton de Oliveira.